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Opinião: inclusão de violência processual na Lei Maria da Penha é avanço, diz advogada
Entrou em análise na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 4830/24, que inclui na Lei Maria da Penha a violência processual como uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Este ato, segundo a presidente da Comissão das Mulheres e Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará (CMA), Tarita Cajazeira, ocorre quando o sistema de Justiça é utilizado como um meio para perpetuar ou agravar a violência de gênero.
O texto que tramita na Câmara define violência processual como qualquer conduta abusiva ou de má-fé praticada no âmbito de processos judiciais, com o intuito de prolongar, dificultar ou manipular o curso do processo, mediante distorção da verdade, incidentes infundados, resistência injustificada, recursos protelatórios ou outros meios que causem desgaste psicológico, moral e financeiro à mulher, com o objetivo de revitimizá-la ou limitar seu acesso à Justiça.
Alguns exemplos que a representante cita são a ressignificação da culpa, com questionamentos sobre a moralidade ou a conduta da vítima para atenuar a responsabilidade do agressor; demora excessiva ou desconsideração das provas; uso indevido de medidas judiciais contra a vítima, como ações de alienação parental ou falsas denúncias de calúnia e difamação; e audiências revitimizantes, com questionamentos vexatórios e humilhantes por parte de advogados, promotores e magistrados.
Avanço
Para Cajazeira, a inclusão da violência processual na Lei Maria da Penha representa um “avanço significativo, pois reconheceria oficialmente essa forma de violência, permitindo a adoção de medidas específicas de proteção e responsabilização”. O reconhecimento legal poderia, de acordo com ela, ampliar o escopo da proteção às mulheres, gerar mecanismos de responsabilização, fortalecer a aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero e assegurar medidas protetivas específicas.
“Essa inclusão reafirma os compromissos internacionais do Brasil, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção de Belém do Pará, que impõem aos estados o dever de garantir acesso à Justiça sem discriminação”, declara a presidente da Comissão.
Embora a aprovação do PL seja considerada pela pesquisadora como um “avanço fundamental”, sua efetividade dependerá de desafios estruturais a serem superados. Ela acredita que deve haver uma mudança de cultura institucional. “O Poder Judiciário ainda carrega uma visão patriarcal, e a aplicação da perspectiva de gênero exige capacitação contínua e comprometimento das instituições”, pontua.
Além disso, a inclusão da violência processual na Lei Maria da Penha pode enfrentar resistência de setores que defendem uma visão restritiva da violência de gênero, e dependerá também da capacitação de profissionais do direito, já que advogados, magistrados e promotores precisam ser formados para reconhecer e evitar a violência processual, aplicando o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.
“O Brasil já possui um arcabouço normativo robusto para proteção das mulheres, incluindo a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), mas enfrenta dificuldades na sua plena implementação. O desafio será transformar essa norma em prática real, garantindo que mulheres não sejam silenciadas ou desacreditadas pelo próprio sistema que deveria protegê-las”, enfatiza Tarita.
Consequências
A proposta prevê que, se for constatada a prática de violência processual contra a mulher, o juiz, de ofício ou a requerimento, determinará ao agressor o pagamento de multa entre 1% e 10% do valor atualizado da causa; a indenização à vítima pelos prejuízos sofridos; e o pagamento dos honorários advocatícios e das despesas processuais decorrentes de sua conduta.
Com a inclusão da violência processual como uma forma de violência de gênero, as consequências para os agentes do sistema de Justiça poderiam incluir, de acordo com Tarita Cajazeira, sanções disciplinares, responsabilidade civil, penalidades criminais e até impedimento de atuação no caso.
Na opinião dela, o reconhecimento da violência processual contra mulheres representa um passo “essencial” para a humanização do sistema de Justiça e a garantia da dignidade das vítimas. A incorporação dessa tipificação na Lei Maria da Penha reforça o compromisso do Brasil com tratados internacionais, além de oferecer instrumentos concretos para responsabilização de agentes do direito que perpetuam desigualdades de gênero no âmbito processual.
Imagem: Reprodução / Pexels